Passei o segundo semestre de 2017 no modo "hibernando" tanto nas redes sociais como até mesmo aqui, espaço que criei especialmente para falar sobre toda e qualquer manifestação artística. Uma apatia inexplicável... Só que não. Talvez a energia estivesse escapando por entre os canos da revolta desde que paramos para enxergar melhor esse Brasil que tem convivido diariamente com a corrupção e todas as consequências oriundas dela. A sensação constante de impotência diante de tanta injustiça vista e vivida é bem pesada.
Contudo, algo tão cultural e tão nosso, patrioticamente falando, deu uma cutucada nesse comecinho de 2018 e me fez despertar desse sono intelectual exclusivamente para falar sobre ele: o CARNAVAL, mais precisamente sobre o desfile das escolas de samba no Rio de Janeiro, aliás, mais precisamente ainda sobre a escola vencedora.
Como sou totalmente diurna, obviamente não passo a noite assistindo os desfiles, mas sempre busco ver a apuração e conferir pela internet o que rolou a partir das notas que são dadas. É como se eu quisesse me certificar se foi realmente bom... (rs)
Sempre achei super interessante o trabalho criativo das escolas em todos os quesitos: música, dança, adereços, carros alegóricos. Trabalho árduo de vários artistas que constroem um espetáculo ao longo do ano para apresentação ao grande público na apoteose. É cultura brasileira viva !
Enfim, esse ano, depois que foi consagrada campeã a escola Beija flor, fui conferir seu desfile na íntegra e para minha surpresa, me peguei emocionada, arrepiada e achando tão perfeito o que fizeram que me senti na obrigação de externar esse sentimento, sobretudo no intuito de afirmar o quanto é ARTE com "A" maiúsculo cada escola que desfila:
É produto da criatividade humana, conta uma história, passa uma mensagem, desperta o olhar do espectador para a realidade em que vivemos e para tudo isso utiliza apenas elementos estéticos visuais e sonoros, inclusive se apropriam de linguagens artísticas tanto tradicionais como tecnológicas para acompanhar a contemporaneidade como sempre acontece com as artes.
Primeira coisa que chamou atenção foi o fato do samba enredo cujo título foi tão criativo quanto tudo o que vi - Monstro é aquele que não sabe amar os filhos da pátria que os pariu - ser cantado por um belo coral: todos que estavam presentes na avenida, do começo ao fim do desfile de uma forma quase gritada, de maneira que quase nem ouvíamos o famoso puxador Neguinho da Beija Flor.
Não era à toa, veja alguns trechos:
(...)
Ganância veste terno e gravata
Onde a esperança sucumbiu
Vejo a liberdade aprisionada
Teu livro eu não sei ler, Brasil!
Onde a esperança sucumbiu
Vejo a liberdade aprisionada
Teu livro eu não sei ler, Brasil!
(...)
Oh pátria amada, por onde andarás?
Seus filhos já não aguentam mais!
Você que não soube cuidar
Você que negou o amor
Seus filhos já não aguentam mais!
Você que não soube cuidar
Você que negou o amor
Vem aprender na beija-flor
De fato, a letra era o grito que estava engasgado na população especialmente a do Rio de Janeiro que apesar de continuar lindo, passa por uma terrível crise, fruto do contínuo saqueamento feito pelos políticos ano após ano.
E depois que foi surgindo, ala por ala, carro por carro, realmente vi o quanto a escola mereceu esse título. Uma crítica histórica e social bem elaborada, bem artística (envolveu além do visual a dramatização dos integrantes) e bem clara sobre a situação que estamos vivendo.
Daí o meu despertar... eles conseguiram externar as minhas angústias e mostrar como a arte é pura catarse.
Uma das cenas mais emocionantes que vi estava no carro intitulado "Abandono" mostrando uma escola sendo atacada por um bandido atirando nos alunos e professor. Sobre a interpretação dessa cena, vou recorrer mais uma vez à Arte, ou melhor aos elementos que usamos para interpretar uma obra de arte: pode ser feita tanto literalmente, porque realmente a violência já invade muitas escolas, como metaforicamente com o sucateamento da educação feita pelos políticos em detrimento de seus mega salários com todos os vales possíveis (alimentação, transporte, ternos, viagens...).
Outras cenas como do lixão, dos bandidos e seus celulares nas prisões, favelas formadas a partir do prédio da Petrobras, enfim... Um recorte da nossa realidade de alguns anos para cá em apenas uma hora de desfile, sem perder a esperança de que tudo pode mudar.
Realmente chocou. E para fechar, chocar costuma ser o objetivo da Arte.
Beija-flor de Nilópolis e todos os profissionais envolvidos... para vocês tiro o meu chapéu.
Achei um videozinho com os melhores momentos que talvez sirvam para dar um ideia do que foi dito:
Saudações Carnavalescas
Carla Camuso 🌍
Composição do Samba enredo: Di Menor / Diego Oliveira / Diogo Rosa / Gilsinho Bacana / JJ Santos / Júlio César Assis / Kiraizinho / Manolo
Vídeo: Renato Cypreste
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